Experiências de Ampère
Em 1819, o físico dinamarquês Oersted descobriu que a passagem de uma corrente elétrica por um fio situado próximo de uma bússola pode mudar a direção na qual a bússola aponta: deve existir portanto uma relação íntima entre correntes elétricas e o campo magnético de uma bússola. A descoberta de Oersted confirmou e esclareceu um fenômeno conhecido há séculos pelos navegantes: em dias de tempestade acompanhada de descargas elétricas, as bússolas se tornam erráticas, ou podem mesmo perder suas propriedades magnéticas.
Se uma corrente exerce ação sobre uma bússola é
de se esperar que duas correntes elétricas passando em fios próximos
exerçam forças uma sobre a outra. Isto é o que de fato
ocorre e que foi descoberto por Ampère, em 1820, menos de um ano
depois da descoberta de Oersted: dois fios nos quais passam correntes de
mesmo sentido se atraem; se as correntes têm sentidos opostos, os
dois fios se repelem (figura 33).
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figura 33 |
Ampère não só observou este efeito como também estabeleceu uma fórmula para que a força que dois elementos de circuitos elétricos exercem um sobre o outro (um elemento de um circuito é um pedacinho pequeno de condutor).
A teoria de Ampère das ações mútuas entre as correntes elétricas é baseada em quatro fatos experimentais. Vamos iniciar esta discussão transcrevendo as próprias palavras de Ampère:
"Quando se descobre um novo tipo de ação, até então desconhecido, o primeiro objetivo do físico deve ser o de determinar os principais fenômenos que resultam desta ação e as circunstâncias em que ela se produz; a tarefa seguinte é a de encontrar um meio de aplicar o cálculo matemático, representando por fórmulas o valor das forças que exercem, uns sobre os outros, os elementos constituintes dos corpos onde este gênero de ação se manifesta."
"Assim que descobri que dois condutores, nos quais circulam correntes, agem um sobre o outro, ou se atraindo ou se repetindo, e que identifiquei e descrevi as ações que eles exercem em situações diferentes em que podem se encontrar, uns em relação aos outros, procurei exprimir o valor da força atrativa ou repulsiva de dois de seus elementos (ou partes infinitamente pequenas), a fim de poder deduzir pelos métodos conhecidos de integração a ação que tem lugar entre duas porções finitas de condutores dados."
"A impossibilidade de realizar diretamente experiências com porções infinitamente pequenas de circuitos nos obriga, necessariamente (a partir de observações feitas sobre fios condutores de grandeza finita e de forma adequada), a permitir que se infira delas a lei de ação mútua de duas porções infinitamente pequenas. É preciso, pois, fazer uma hipótese sobre o valor da ação mútua das duas porções infinitamente pequenas, deduzir dela a ação que deve resultar para os condutores de grandeza finita e modificar a hipótese até que os resultados do cálculo estejam de acordo com as observações."
Todas as experiências de Ampère são exemplos do que se chama o método do zero para comparar forças.
No método usual de comparar forças em Mecânica (método estático), a força desconhecida é comparada ou com o peso de um corpo ou com a deformação de uma mola calibrada previamente.
No método do zero, duas forças devidas à mesma causa atuam simultaneamente num corpo que é livre de se movimentar; o estado de equilíbrio deste corpo indica que as forças se compensam.
O método do zero de Ampère é realizado por meio de um detector chamado balança de Ampère; ela consiste num quadro capaz de girar em torno de um eixo vertical e que possui um fio que forma dois circuitos retangulares de igual área no mesmo plano; a corrente circula em sentidos opostos nos dois quadros (sentido horário num caso e sentido anti-horário no outro). O objetivo deste arranjo é eliminar os efeitos do campo magnético terrestre nos fios condutores de eletricidade. Esta combinação de dois circuitos é dita estática (figura 34).
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figura 34 |
Em lados opostos dos retângulos circulam correntes de sinais opostos que cancelam, pois, os efeitos da interação com o campo magnético terrestre.
O quadro gira livremente em torno de um eixo vertical; os pontos por onde entra e sai a corrente são dois reservatórios de mercúrio 0 e 0`, nos quais os terminais estão imersos e pivotam.
O lado AB é o detector que pode sofrer a ação de outras correntes ou de imãs bem próximos, afastando-se da sua posição inicial. Como um todo, este sistema de correntes é insensível à ação do campo magnético terrestre.
1ª Experiência
Esta experiência dá informação sobre o efeito de duas correntes iguais de direção oposta e muito próximas uma da outra (figura 35).
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figura 35 |
Toma-se em geral o mesmo fio, que é dobrado sobre si mesmo, percorrendo caminhos paralelos na ida e na vinda. A passagem de uma corrente por este fio quando colocado nas proximidades do lado AB da balança de Ampère não afeta o seu equilíbrio. Fica demonstrado assim que correntes iguais e opostas produzem forças iguais e opostas sobre um fio percorrido por corrente (fio AB), ou que o efeito de uma corrente muda de sinal quando a corrente muda de sinal.
2ª Experiência
Esta experiência dá informações sobre a atividade dos efeitos dos elementos de um condutor.
Uma das partes do fio da experiência anterior é dobrado de maneira a formar um ziguezague, mas permanecendo sempre próximo da primeira (figura 36).
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figura 36 |
Se a mesma corrente passa pela parte reta e pela parte em ziguezague, o efeito na balança de Ampère é ainda nulo.
Esta experiência, comparada com a anterior, mostra que um fio em ziguezague (desde que não se afaste muito do reto) tem o mesmo efeito que um fio reto que liga suas extremidades.
3ª Experiência
Nesta experiência o detector não é a balança de Ampère, mas consiste de um condutor em forma de arco EF, capaz de se mover apenas na direção da sua tangente; o centro é um eixo vertical em torno do qual pode girar; o condutor se apóia em dois reservatórios de mercúrio C e D por onde a corrente entra e sai (figura 37).
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figura 37 |
Observa-se que qualquer circuito por onde circula corrente (ou imã) que se aproxima do condutor móvel não faz com que ele se movimente ao longo da direção do arco, o que mostra que o efeito de um circuito por onde circula corrente sobre o condutor móvel é uma força que é perpendicular a este condutor.
4ª Experiência
Nesta experiência empregam-se três circuitos de forma circular de raios que estão na proporção 1:n:n2 (figura 38); o círculo do meio é suportado de forma que possa girar livremente; a mesma corrente passa pelos três circuitos. O que se faz é ajustar as distâncias a e b dos dois circuitos extremos até que a força que atua no circuito do meio seja zero (figura 39). A experiência mostra que isto ocorre quando b = na.
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figura 38 |
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figura 39 |
Uma análise desta experiência mostra que a força entre dois elementos de corrente é inversamente proporcional ao quadrado da distância entre eles.
Resumindo, as informações das 4 experiências de Ampère são as seguintes:
a) O efeito de uma corrente muda de sinal quando a corrente se inverte;
b) Os diferentes elementos de um circuito têm efeitos que se somam;
c) A força que age sobre um elemento de um condutor percorrido por
corrente é sempre perpendicular ao elemento;
d) A força é inversamente proporcional ao quadrado da distância.
Com base nelas, Ampère estabeleceu uma fórmula matemática simples que representa com exatidão as forças que atuam entre dois elementos quaisquer da corrente.
Esta tarefa foi classificada por Maxwell* como uma das mais brilhantes de toda a história da Física.
* James C. Maxwell é considerado o "Newton da Eletricidade"; ele estabeleceu as leis fundamentais deste campo da Física, como Newton o fez para a Mecânica.
Leitura Suplementar
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