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    GEPPEP NA PANDEMIA
    2. Exercícios de leitura

    Quinzenalmente, divulgaremos exercícios de leitura para auxiliar na análise do cenário político em tempos de Fake News.


    EXERCÍCIO 1




    Nossos lobos
    Tatiane Silva Santos

    Perguntar. Perguntar de novo. Perguntar mil vezes. Desconfiar. Victor Klemperer (2009) nos alerta para os perigos da autoconfiança nazista, que matou milhares de pessoas com discursos ancorados em afirmações exacerbadas. O tempo passa e a mudança é lenta; o quadro descrito no período ecoa nas inúmeras certezas de hoje. Nestes dias, nos quais é fácil copiar e colar, juntar o texto escrito com qualquer imagem, precisamos estar dispostos a questionar se as infinitas afirmações que recebemos pelas redes são informações seguras. Estamos diariamente diante de inúmeras notícias. É fácil e tentador sair compartilhando tudo e, muitas vezes, lá na frente, percebemos que não era bem aquilo ou não era bem assim.
    Na infância, eu tinha um livro didático com um conto de Grimm adaptado: O lobo e os sete cabritinhos. Na história, a mamãe sai, o lobo chega e disfarça a voz para tentar entrar na casa, mas um filho espertinho pede para ele mostrar a pata branca, salvando todo mundo. Quando a mãe volta, eles contam a proeza e, o filho/salvador diz que sobreviveram, pois seguiu seu conselho de confiar desconfiando, algo assim. Na vida real não é tão simples: podemos ser os cabritinhos indefesos, podemos ser os próprios lobos.
    Voltando às notícias, na maioria das vezes nem ocorre a percepção do erro, vamos atropelando tudo e compartilhando, compartilhando, compartilhando. Ao contrário da reflexão feita no conto, não pensamos a respeito das nossas atitudes nas redes enquanto, no desvario, apertamos botões porque o capitalismo, em sua ânsia de nos mostrar novos produtos a cada segundo, nos pede para continuar e continuar. Sem limites. Mas, neste processo, uma vida é prejudicada ou muitas vidas passam a correr perigo. A responsabilidade não parece grande, porque o sistema não deixa a gente perceber, mas ela é enorme.
    Em diversas vezes, divulgaram a foto da pessoa errada e um inocente morreu. Morreu. Por notícias falsas. Parece exagero mas, infelizmente, não é. Em 2014, Fabiane Maria de Jesus foi espancada até a morte por moradores do Guarujá por um boato divulgado em redes sociais segundo o qual ela estaria realizando rituais de magia negra com crianças sequestradas. Algumas pessoas foram responsabilizadas pelo crime, mas não havia como reunir todos. Muita gente envolvida. Que simplesmente apertou um botão e enviou a mentira. Bateu. Ou assistiu ao espancamento. Compartilhou os vídeos. E isso não está longe da gente, tá bem do nosso lado.
    Para que fatos como este não ocorram com outras pessoas a solução diante de um texto é perguntar, perguntar de novo. Um texto nos leva a outro, a outro e a outro. É cansativo, mas é assim mesmo, um exercício: lendo e aprendendo. Lendo e conhecendo os fatos. A interrogação nos ajudará nas decisões e a fazer uma boa interpretação. Assim, vidas não serão prejudicadas ou até interrompidas. A leitura nos pede outras leituras, nos leva a questionamentos, à busca de outros textos. Até chegarmos na verdade ou na mentira. Com a tecnologia usada por criminosos podemos, inclusive, não chegar a lugar nenhum com a busca, mas então a ação é: não compartilhar!
    Volto à versão original de Grimm para escrever este texto. O lobo abre a porta e come os cabritinhos. Sobra um, escondido no relógio, por sorte. Na adaptação, eles não abrem, desconfiam e sobrevivem. No texto dos autores, eles sobrevivem, mas não sem, antes, ter aquele lance de ser comido vivo e barriga cortada. Nas inúmeras abordagens cotidianas, vamos escolher a adaptação, evitar as feridas e as mortes. Não abrir tão rápido a porta. Confiar desconfiando, sempre.


    Referências

    GRIMM, Jacob e Wilhelm. Contos maravilhosos infantis e domésticos. São Paulo: Cosac Naify, 2015.

    KLEMPERER, Victor. A linguagem do Terceiro Reich. Rio de Janeiro: Contraponto, 2009.