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SINOPSE DAS OBRAS ESTUDADAS
A linguagem do terceiro Reich é um livro constituído por trechos dos diários do autor, escritos entre 1933 e 1945, além de um trabalho analítico a respeito da linguagem durante o referido período. Klemperer tinha como objetivos: a) Transmitir a alunos e leitores a experiência que viveu; b) Propor alterações no sistema educacional dos jovens que haviam sofrido uma lavagem cerebral nazista.
Sinopse por capítulos:
1) Nos capítulos de abertura do livro (prefácio e capítulo um), o autor exemplifica como alguns termos foram adquirindo novas significações à época do terceiro Reich, por meio de incessante repetição. Este teria sido o caso de “Heroísmo”, passando a ser associado com “fanatismo”. Afirma estar interessado nos aspectos inconscientes que a linguagem revela – ideia que antecipa o pensamento de Mikhail Bakhtin (1875-1975) acerca do (des)velamento produzido pela linguagem.
2) O autor descreve uma forma de marcha nazista, na qual uma figura nomeada “o tambor” faz a marcação dos passos da tropa, hipnotizando as multidões. Tal cena demonstraria o poder de captura de uma linguagem sem palavras.
3) O autor aponta o empobrecimento e a uniformidade da linguagem à época. Entre as funções de uma língua, teria sido priorizada a função de “invocação”, própria ao fanatismo.
4) Klemperer analisa o romance Partenau (Max René Hesse, 1929), tomando-o como uma criação artística que antecipa a linguagem e as convicções do Terceiro Reich. Nesse romance de estilo expressionista, teria havido a exaltação das noções de povo e nação, em detrimento de ideias como consciência, arrependimento e moral.
5) O autor ressalta sua ocupação permanente em compreender até onde “se estendem os limites da LTI”; palavras antigas ganham um sentido especial e palavras novas se consolidam como estereótipos. A repetição e a naturalização são características marcantes dessa linguagem. Há uma recorrência a tudo que está relacionado ao povo; palavras como Volk (povo), Volkfest (festa popular), Volksgenosse (compatriota), volksnah (próximo do povo) são empregadas com frequência.
6) Klemperer aponta a alteração de significado das palavras, como a expressão Staatsakt, que se desloca de “homenagem de estado” para “ato histórico”. Esse termo, empregado frequentemente em manchetes de jornais e discursos, revela o desaparecimento da ideia do Estado.
7) O termo analisado é Aufziejen, que vai perdendo o sentido pejorativo (achincalhar) e “ganha” um sentido natural (organizar, montar). Nas palavras do autor, “o sentido mecânico desse verbo ficou obscurecido pelo fato de, em geral, ele ser usado para se referir a uma organização” (p. 97). Mais adiante, Klemperer ressalta: “um termo, uma conotação ou um valor linguístico só adquire vida dentro de uma língua, só existe, de fato, quando seu sentido consegue se inserir na linguagem de um grupo ou de uma coletividade, nela adquirindo identidade própria” (p. 98).
8) O autor destaca três elementos: o pregador, o discurso e a arena. O pregador assume tom de voz de ritual eclesiástico, lançando frases curtas, como fragmentos litúrgicos, “obtendo reações emocionadas de todos, sem qualquer esforço mental, mesmo que não captem o sentido das palavras, ou justamente por não terem capacidade para captá-lo.” (p. 102). A essência do discurso teria se modificado: precisa ser compreensível a todos, não apenas aos representantes do povo; precisa ser mais popular, concreto: “Quanto mais o discurso se dirige aos sentimentos, quanto menos se dirige ao intelecto, mais popular ele é.” (p. 103). E, por fim, destaca que a arena, a praça onde o discurso é proferido, configura-se como parte do corpo do discurso, compondo o quadro, a cena.
9) O autor discorre a respeito da forma do discurso: o grito leva as pessoas a ficarem atentas aos gestos; os gestos bruscos retiram a carga violenta de quem governa e do próprio governo. Aborda, também, a ideia de que a alteração do sentido das palavras muda o comportamento das pessoas. Exemplifica, com o termo “fanático”, que ganha uma inversão pelo uso: deixa de ser pejorativo (louco, desequilibrado) e passa a ser positivo (homem valente, corajoso).
10) Menção ao estudo da história da literatura: as origens, os assuntos, o tempo, o espaço são elementos para compreender como as lendas são criadas e de que forma se constroem as crenças em torno delas. Durante a discussão desta parte do livro, nos remetemos a Mikhail Bakhtin (1875-1975), em Marxismo e Filosofia da Linguagem: a arena de luta não está nas armas, no dinheiro; “A palavra é a verdadeira arena de luta”. Ganhar o sentido da palavra é ganhar a organização social. “O signo é a arena da luta de classes”.
11) Prioridade para a variação do lugar do observador com relação ao objeto a ser apreendido na obra. Segundo Klemperer, “A LTI guarda heranças do expressionismo” (p. 126), pois tem o olhar de quem pensa ser sem falhas.
12) Na LTI, haveria abuso de aspas irônicas, como no exemplo: Einstein é um “pesquisador”. Interesse no estudo da pontuação, marcada pela polifonia. Autores complementares podem ser úteis: Jacqueline Authier-Revuz, em especial nos trabalhos a respeito da modalização autonímica; Oswald Ducrot, em seus estudos a respeito da polifonia enunciativa que se dá a ver na ironia e François Recanati, pelos trabalhos em semântica que tratam sobre a utilização das aspas.
13) Investigação a respeito dos critérios utilizados para a escolha de nomes próprios, bem como as imposições externas para a renomeação. O autor assinala o contraste que há entre as ideias de renovação e anseio pelo novo, em contraposição com o resgate do tradicional, o elo com os antepassados. Mostra como o manejo com a escolha dos nomes pode garantir a exclusão ou a participação de uma pessoa em sociedade.
14) Exploração das ilustrações, que dão origem às lendas urbanas. Segundo o autor, nessa época, era comum o roubo de carvão nos trens parados, muitas vezes com o apoio dos maquinistas. Foi criada uma campanha publicitária com a imagem do Kohlenklau, representação de uma pessoa forte que bateria em quem roubasse carvão. Esse personagem virou uma imagem ameaçadora para diversos contextos. O autor exemplifica a força desse personagem com alguns exemplos, dentre eles, a história de uma criança que não queria caminhar na rua tendo sido ameaçada por um desconhecido que lhe diz que se não voltasse com a mãe, o Kohlenklau viria pegá-la. A criança prontamente mudou de atitude.
15) Por que existiam tantas abreviações durante o nazismo? Abreviações são típicas de sociedades onde há tecnicismo e organização, características relacionadas à LTI, postula Klemperer. Para se apoderar da vida e dos símbolos, o nazismo cria muitas abreviaturas, pois segundo o autor, pretende se apoderar de tudo, tornando-se religião.
16) O principal assunto foi o assujeitamento ao sistema de valores nazistas. Iniciamos a discussão refletindo a respeito do que é “assujeitar-se” e diferenciando os termos sujeitar e assujeitar, sendo o primeiro termo relacionado a aceitar algo por imposição ou coação, enquanto o segundo está relacionado à aceitação e concordância inconsciente da restrição. O autor usa o termo “infectar” para se referir ao assujeitamento dos alemães, afirmando que, na totalidade, eles não eram nazistas, mas que, não obstante, o veneno havia infectado a todos. Essa discussão poderia ser relacionada com os conceitos de Formação Discursiva e de Formação Ideológica de Foucault. Um exemplo marcante teria sido uma cena ocorrida na fábrica em que Klemperer trabalhava. Ao saber que sua esposa estava doente, uma colega alemã chamada Frieda deixa uma maçã em cima de sua máquina e lhe diz: “Para mamãe, com um grande abraço”. Mas, ao perguntar, com ar de desapontada, se sua esposa era alemã, ela demonstra que, embora tivesse grande empatia pelo(s) judeu(s), é como se o veneno nazista a infectasse. O estranhamento e desconforto que ela teve com o fato de um judeu ser casado com uma alemã, demonstravam que ela estava estendendo o conceito de ariano a todos os alemães.
17) O ponto privilegiado foi a necessidade de um chefe. Ressaltamos o seguinte excerto: “Quem pensa não quer ser persuadido, mas sim convencido; é bem mais difícil convencer quem está habituado a pensar sistematicamente.” (p. 170). Relacionamos esse excerto ao contexto atual e à discussão a respeito da dificuldade em convencer o outro. Devido a essa dificuldade, a persuasão torna-se uma ferramenta de maior recorrência. Discutimos uma passagem em que um mecânico, ao consertar um carburador, usa o termo ‘organizar’ no lugar de ‘fazer’ ou ‘executar’ porque a palavra ‘organização’ estava impregnada na LTI. Vinculamos essa palavra à necessidade de um chefe e de uma organização, o que pressupõe uma totalidade e uma completude. Observamos uma mudança de concepção durante o regime nazista, pois ‘organização’ pressupõe planejamento e, não necessariamente, execução. No nazismo, o trabalhador segue o que já foi organizado; depois de executada a sua tarefa, ele precisa se remeter ao chefe; ou seja, ele não tem autonomia sobre o seu trabalho.
18) O ponto fulcral pode ser o trecho em que Klemperer conversa com a senhorita Paula von B. e ela confirma sua devoção ao Führer (p. 180). Essa passagem demostra a ‘debilidade’ da personagem e a fé irrestrita na figura do governante. Aventou-se a possibilidade de que os apoiadores de Hitler padecessem de uma debilidade em colocar em questão o desejo do Outro (Jacques Lacan), no sentido de um endeusamento. O próprio título do capítulo sugere essa ideia: “Eu acredito nele!”, ou seja, é possível acreditar em qualquer coisa que ele faça.
19) Privilegiamos o exame dos marcadores linguísticos de posição. O autor analisa anúncios fúnebres que mostram as formas como a morte de um filho era anunciada. Embora a mensagem sempre fosse a de que o filho faleceu, a linguagem usada demonstrava a posição dos pais em relação ao regime: “Caído pela fé absoluta em seu Führer” demonstra apoio incondicional a Hitler, tanto pelos marcadores “fé absoluta” quanto “seu Führer”, enquanto “Nosso único filho caiu pela pátria”, demonstra que o único filho morreu pelo país e não pelo governante; o marcador “único” revela a intensidade da dor pela perda do filho e falta de elevação à Hitler, ou seja, a posição dos pais em relação ao contexto político.
20) Permanência ou desaparecimento de neologismos. Discutimos o quanto a palavra septembrisieren parece ter tocado a Klemperer de modo traumático. Essa experiência nos remeteu a um episódio abordado no documentário “Encontro com Lacan”, em que uma senhora tinha uma vivência traumática com a Gestapo e Lacan faz uma intervenção que transforma essa palavra em outra coisa, dando-lhe uma nova significação, de caráter poético.
21) Kemplerer defende que o povo alemão é parasitado por um excesso, ostentando um desprezo pelo limite. O autor sugere que esse caráter teria tido origem no romantismo, visto que o homem romântico é desmedido e excessivo. Traçando um paralelo com a sociedade brasileira, falamos sobre os efeitos do excesso e as possibilidades de regulação interna (imaginária e simbólica).
22) Destacamos o termo Weltanschauung [visão de mundo] e debatemos a respeito da necessidade de, na atualidade, recuperarmos as diferentes visões de mundo, revendo os seus limites para a convivência em sociedade. Demos ênfase ao fato de o autor do livro, um professor universitário, não compreender o conto Wiwiputzi, que foi explicado por uma funcionária de biblioteca. A compreensão foi possível devido à associação feita ao filme Sonny Boy, que a funcionária assistiu e o professor universitário, não. A partir desse filme popular, que teria colaborado para a expansão do germanismo, discutimos a ignorância popular como algo a ser manipulado por aqueles que querem disseminar ideias à moda de um contágio.
23) O ponto de pauta é a reificação. Destacamos o uso dos verbos liquidar, trucidar como expressões comumente utilizadas no universo dos negócios ou técnicas para se dar um feito coisificante aos que não seriam considerados humanos pela LTI. O autor pontua que, com a importação de tecnologia americana, a Rússia também incorporava muitas expressões técnicas à época; contudo, enquanto o tecnicismo russo parecia ser usado para libertar o povo, a Alemanha utilizava a extrapolação da técnica para escravização alemã.
24) O autor discute a adulteração da ideia de Europa durante o terceiro reich, por meio da adição de uma ancestralidade germano-nórdico às origens gregas e cristãs da cultura europeia. Suprimiu-se aquilo que não estava de acordo com a doutrina nazista; ou seja, elementos contextuais e históricos que pudessem vincular a Alemanha a ideais humanistas europeus. Para Klemperer, a Europa da qual a LTI falava deveria ser entendida apenas em termos territoriais.
25) Segundo Klemperer, o pior dia para os judeus teria sido o 19 de setembro de 1941, quando se tornou obrigatório, na Alemanha, o uso da estrela de Davi. O autor discute essa obrigatoriedade como um dos mecanismos de segregação, ao identificar, isolar e abolir seus usuários de determinados círculos de convivência social. Outro mecanismo de isolamento era o uso de expressões para classificar os judeus como, por exemplo, Privilegierten, termo que separou os judeus casados com arianos, que haviam aderido à educação alemã, do restante da comunidade judaica.
26) A noção de segregação é correlacionada ao uso da adjetivação; o autor também mostra a existência, na LTI, de um fechamento de sentidos ligado ao termo "judaico". Discutimos o uso de adjetivos para a constituição de um inimigo comum, e a noção de segregação para a psicanálise, ponderando que: a) toda afirmação individual de identidade é segregativa pois a segregação é condição à formação de comunidades diferentes umas das outras; e b) a noção de “gregário” supõe a passividade dos agregados. Remetemo-nos aos conceitos de alienação e separação em Lacan (1964[2001]), que aponta a relação do humano com a linguagem para discutir o modo como se deu a alienação de quem se tornou fanático pelos ideais predominantes da época. Diante da escolha por falar – que envolve, necessariamente, uma perda – alguns manteriam uma relação excessivamente dócil com o Outro da linguagem, aceitando tudo o que é dito, de modo alienado.
27) Klemperer questiona-se a respeito de quais teriam sido as consequências, para os judeus, da crença que mantinham em um ‘povo eleito’, ou na ideia de ‘uma terra prometida’. As idealizações teriam o efeito de cegar os judeus em relação aos sinais iniciais de que estavam sendo ameaçados, produzindo uma incapacidade de se fazer uma leitura acerca dos dados da realidade.
28) Aborda o modo como o derrotismo, por parte dos judeus, começou a fazer parte do cotidiano, dando o tom a todas as conversas e interações entre as pessoas. O discurso corrente à época do terceiro reich colocava os judeus em uma posição de desvalia, mas, do lado da comunidade judaica, parece ter havido uma identificação com essa posição veiculada pelos discursos, ou seja, com a linguagem do vencedor.
29) O argumento principal é o de que Hitler teria aprendido com o movimento político sionista, que almejava uma pátria própria e o retorno à Palestina, a ver os judeus como um povo unificado, agrupando-os em um “judaísmo mundial” (p. 314).
30) O autor problematiza a crença nazista segundo a qual a massa é estúpida e incapaz de raciocinar por meio do exame dos seguintes mecanismos linguísticos utilizados pelos nazistas para iludir a população: a) superlativo numérico e de palavras assemelhadas; b) superlativo dos adjetivos; e c) e expressões isoladas que têm um valor superlativo. Klemperer entende que a linguagem é dotada de superlativos, mas teme que um uso perverso deste mecanismo pode destruir o intelecto daqueles que entram em contato com os textos marcados por isto. O autor atribui o exagero no uso dos superlativos por parte da imprensa alemã a uma tentativa de cópia dos jornalistas americanos. Entretanto, diferencia os primeiros dos segundos, pois, em sua avaliação, os alemães são dotados de uma “crueldade consciente” (p. 331) por se utilizarem, em maior número, de superlativos que visam a humilhar o interlocutor.
31) O autor analisa as operações linguísticas necessárias à delegação de responsabilidade por parte de Hitler quando os nazistas começaram a perder a guerra. Se, antes, o discurso era autorreferente (eu vou levar vocês à vitória), agora, instaura-se um novo tempo em que a vitória adiada é imputada a um Deus. Em suas palavras: “Eis que agora a vitória é postergada para um tempo indefinido, sendo necessário colocá-la nas mãos de Deus” (p. 341).
SINOPSE EM CONSTRUÇÃO.
Na obra Nascimento e Renascimento da Escrita, norteando-se em uma hipótese de trabalho segundo a qual, no que se refere ao estudo do ser humano e de suas produções, a filogênese é idêntica à ontogênese, Gérard Pommier estabelece relações intrínsecas entre os tempos do Édipo, descritos por Lacan no início de seu ensino, e o processo de formalização da escrita alfabética.
A obra é dividida em duas partes. Na primeira, o autor examina o percurso que as civilizações da Antiguidade realizaram com relação à escrita, concluindo que a possibilidade da criação de um sistema de representação da fala por meio de vogais e de consoantes funda-se no recalcamento da imagem corporal imposto às civilizações pela passagem do politeísmo ao monoteísmo.
O autor acredita que, como uma conquista da humanidade, a escrita deve renascer em cada criança que consegue encontrar a chave para a representação alfabética. Assim, o autor postula que, de maneira análoga ao processo experimentado pelos antigos egípcios, para quem o desenho representativo do som esvaziou-se progressivamente de sua carga imaginária até atingir o estatuto de letra, a escrita só se reatualiza para cada ser humano nos diferentes momentos de sua evolução psíquica quando um determinado percurso com relação à função simbólica foi completado.
Por sua vez, na segunda parte do livro o autor apresenta casos clínicos que tem como denominador comum as dificuldades no processo de aquisição da escrita por parte de crianças. A partir da análise das interferências dos conflitos psíquicos vivenciados por adultos em suas produções linguageiras, ele mostra como o quadro inicial das crianças foi modificado a partir de intervenções psicanalíticas.
A possibilidade de reler a obra Nascimento e Renascimento da Escrita a partir dos ensinamentos proferidos por Lacan no período tardio de sua elaboração coloca-se como desafio aos pesquisadores do Grupo de Estudos Produção Escrita e Psicanálise – GEPPEP. Em uma sociedade que não mais parece ser organizada pelo Complexo de Édipo, que ressignificações se tornam necessárias para compreender os impasses na aquisição do sistema alfabético de representação? Esta discussão é o cerne do projeto de pesquisa coletivo Movimentos do Escrito.
A arte de reduzir as cabeças, de Dany-Robert Dufour, é leitura obrigatória a todos aqueles que almejam compreender os impactos que à ascensão do neoliberalismo tem sobre o cenário educacional.
Ao longo de toda a obra, o autor defende a hipótese de que, graças à configuração político-econômica da contemporaneidade, está ocorrendo a decadência da figura do grande Outro. Para o autor, o grande Outro, em sua dimensão simbólica, encontra-se em iminente declínio, uma vez que os princípios e valores dos quais ele era representante, não servem aos propósitos da economia de mercado: eles não proporcionam lucro. DUFOUR (2005: 58).
Para o autor, a conseqüência direta disto é a derrocada do “duplo sujeito da modernidade, o sujeito crítico (kantiano) e o sujeito neurótico (freudiano)” e do surgimento de um “novo sujeito, ‘pós-moderno’” (p. 10). O novo sujeito da pós-modernidade é, conseqüentemente, desprovido de valores simbólicos. O autor postula que o fenômeno que dá o tom para a sociedade atual é a dessimbolização, cuja característica principal é converter todas as coisas em mercadoria.
Em uma economia de mercado, que o impele a gozar sem restrições, ele encontra no consumo desenfreado a ilusão de ser feliz e uma forma de lidar com sua falta ontológica (com sua angústia existencial). Este novo sujeito não apenas consome incessantemente: ele também se deixa consumir. Agora, ele vê a si próprio transformar-se em mercadoria. Também ele é um produto cambiável.
Frente a esta nova realidade, o Grupo de Estudos e Pesquisa Produção Escrita e Psicanálise – GEPPEP propõe a reflexão acerca do que seja ler e escrever para este novo sujeito pós-moderno. A partir dos caminhos traçados pelo filósofo, propõe, portanto, refletir sobre as vias por meio das quais seja possível reinventar uma educação neste cenário, no qual a própria educação, e conseqüentemente, seus sujeitos têm sido transformada em produtos cambiáveis.
A investigação de Czermak interessou ao Grupo de Estudos e Pesquisa Produção Escrita e Psicanálise – GEPPEP porque permitiu construir uma reflexão a respeito das armadilhas a serem vencidas pelo pesquisador na área de linguagem.
Paixões do objeto consiste em uma coletânea de dezoito textos elaborados a partir da experiência clínica do autor como psicanalista no hospital Henri-Roussele. Produzidos em diferentes momentos da vida do pesquisador, têm como fio condutor o fato de terem como fulcro algum quadro da existência humana no qual faltaram palavras para dar o contorno da experiência, que, por conseguinte, não pôde nem ser compreendida, nem relatada pelo indivíduo que a vivenciou.
Por meio de diferentes exemplos, Czermak mostra que a experiência psíquica do ser humano não é regulada pelas leis do bom senso. Se assim o fosse, ao deparar-se com uma situação traumática, aparentemente muito desconfortável, o “normal” seria que o sujeito fugisse do objeto que não pôde compreender. Entretanto, não é o que costuma acontecer: o sujeito tomba fascinado por ele. Paixões do objeto, portanto, é uma expressão que designa as diversas matizes nas quais não é mais possível colocar determinada idéia ou tese à prova da lógica.
Em outras palavras, aquilo que está fora da linguagem, que toma o sujeito para além da lógica, fascina, apaixona. Trata-se de um processo complicado para todos que procuram produzir, em especial, mas não exclusivamente, textos acadêmicos. Apaixonada pelo objeto, a pessoa passa, por exemplo, a ler o que não está escrito, a ignorar os “bons conselhos” presentes nos trabalhos produzidos em relação ao tema e a ignorar, inclusive, o que já sabe em função dos trabalhos que ela própria possa ter elaborado anteriormente.
Enfim, instaura-se um quadro no qual não há qualquer possibilidade de produção que se sustente, apenas a proliferação de idéias desconectadas e descabidas. Como grupo, coube interrogar, a partir do raciocínio desenvolvido por Czermak, por que esses cacos de idéias e formulações não são rechaçados pelos leitores. A conclusão que se chegou, por assim dizer, é que a paixão pelo objeto contagia. Assim sendo, cria-se um efeito de epidemia cuja conseqüência, no campo da leitura e produção de textos, é o leitor apaixonar-se pelo mesmo objeto que cegou o escritor e assim sucessivamente. Formam-se, portanto, comunidades interpretativas em torno do nada, figuração do objeto por excelência.
O mais sublime dos histéricos, de Slavoj Zizek, é uma obra instigante e, ao mesmo tempo, incômoda. Seu caráter instigante advém exatamente da releitura crítica de diversos conceitos caros ao conhecimento acumulado pela humanidade, enquanto certa sensação de estranhamento, que alcança, em determinados pontos, o incômodo, ocorre devido à densidade do pensamento do autor, que, através do encontro que promove entre Hegel e Lacan, traz para as páginas deste livro o debate de uma série de conceituações formuladas e reelaboradas no decorrer da história do conhecimento.
Zikek procura compreender a atual sociedade por meio de uma reflexão sobre a ideologia vista como um fenômeno que se aproxima do que talvez pudéssemos chamar de “sintoma do desejo pelo poder”: poder ser, poder estar, poder dizer... Assim sendo, estudar esta sua obra passa por novos questionamentos acerca da estrutura social do capitalismo, pois, para ele, entender a complexidade do ideário de igualdade das classes sociais ultrapassa o desafio de problematizar a ideologia enquanto “falsa consciência”.
A tese central do livro versa sobre a necessidade de ver, nas relações sociais, o que há de “ mais-gozar”, aquilo que, em suas palavras, consiste no “excedente, o resto que escapa à rede da troca universal [...]”.(Zizek, 1991, p. 156). Segundo o autor, ao fazê-lo, poderíamos entender, com maio pertinência, a impossibilidade da existência de trocas rigorosamente equivalentes. Ademais, poderíamos tomar conhecimento da dificuldade de mensurar as trocas, pois, se é fácil medir o que se paga com dinheiro, como contabilizar o gozo que, em qualquer tipo de negociação, pode ser obtido por cada qual?
A obra de Zizek interessa ao Grupo de Estudos e Pesquisa Produção Escrita e Psicanálise - GEPPEP , especialmente, porque traz uma importante contribuição para a releitura do signo lingüístico saussureano. Ao dar a ver como o olhar culturalmente “treinado” petrifica os significados, nos convoca a analisar a produção escrita da contemporaneidade colocando a dimensão dos significantes em relevo. Ao fazê-lo, abre-se para o pesquisador a possibilidade de capturar o excedente que rompe com o imobilismo das ideologias e, conseqüentemente, inaugurar uma profícua discussão sobre a possibilidade de criação no seio das instituições, em especial, na universidade.
Letra a Letra , de Jean Allouch é uma obra imprescindível para todos que têm a ambição de, com relação a um enunciado qualquer, ler mais do que o sujeito conscientemente supunha estar dizendo (ou escrevendo).
O objetivo central do livro é a defesa da necessidade de introduzir uma nova dimensão de trabalho durante o ato de ler: dar prevalência à materialidade significante. Assim como outros estudiosos da psicanálise, Allouch pensa que é importante se afastar do campo dos sentidos estabilizados culturalmente para, através deste ato, poder levar em conta o campo da pulsão (o mais-gozar), campo este que traz à baila o que há de singular no sujeito que falou ou escreveu o enunciado que está sendo analisado.
O autor ressalta que este modo diferenciado de lidar com o que é dito foi introduzido pela psicanálise quando esta afirmou que há o que se ler naquilo que se ouve, ou seja, rompeu com os postulados da teoria da comunicação, segundo os quais os sentidos são passíveis de serem apreendidos de forma mais ou menos evidente.
Conseqüentemente, através de numerosos exemplos históricos e clínicos, o autor mostra no que consiste um modo de leitura que é regrado pela dimensão material da letra, a transliteração , “uma operação tanto mais convocada pela leitura quanto o que é dado a ler difere mais, na sua escrita, do tipo de escrita com que leitura se irá constituir” (Alouch, 1995 :14).
Transliteração é, portanto, o nome da operação pela qual o que se escreve passa de uma maneira de escrever para outra, pondo em relação letra a letra. Ela não se pauta nos sentidos convencionais. Ao contrário, trata-se de uma leitura literal que se caracteriza por exigir um deciframento. Ela é, portanto, convocada pelos materiais a serem lidos que se apresentam como um puzzle , uma charada a exigir que o sujeito inclua-se nela como um significante para decifrá-la, regulando o escrito pela letra (1).
No interior do Grupo de Estudos e Pesquisa Produção Escrita e Psicanálise – GEPPEP, vimos discutindo diversas questões sobre leitura e escrita, em especial, no que tange à produção do conhecimento na Universidade, cujo advento pressupõe um ultrapassamento da posição de manter-se atado nas palavras de outros autores, com subseqüente esforço para assumir uma posição enunciativa que seja própria de cada qual.
Neste contexto de reflexão, o livro de Allouch pôde nos auxiliar a dar a devida atenção aos momentos-relâmpagos em que a presença do sujeito-inconsciente se faz notar para além da organização que o caráter acadêmico de um trabalho impõe, momentos estes que, tomados em seu estatuto de formação do inconsciente, podem ser entendidos no caráter de cifração de algo que, uma vez decifrado, pode abrir uma importante via para a criação.
(1) Alouch ressalta que não se trata, entretanto, de ler entre as linhas, como quer a boca ingênua, mas de ler as linhas.
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